quinta-feira, julho 03, 2003



Moral para Médicos. - O doente é um parasita da sociedade. Em certas situações é inconveniente viver mais tempo. O vegetar prolongado em cobarde dependência dos médicos e praticantes, depois de se ter perdido o sentido e o direito à vida, deveria arrastar atrás de si, na sociedade, um profundo desprezo. Os médicos, por seu lado, deveriam ser os mediadores de tal desprezo - não receitas, mas, todos os dias, uma nova dose de náusea diante dos seus pacientes... Criar uma nova responsabilidade, a do médico, para todos os casos em que o interesse mais elevado da vida, da vida ascendente, exige a repressão e a rejeição implacáveis da vida degenerada - por exemplo, para o direito da procriação, para o direito de nascer, para o direito de viver... Morrer orgulhosamente quando já não é possível viver com orgulho. A morte, escolhida livremente, a morte no tempo oportuno, com transparência e alegria, no meio das crianças e de testemunhas: de modo que ainda seja possível uma verdadeira despedida, em que aquele, que se despede, ainda ali está, e seja igualmente possível uma autêntica valoração do que se conseguiu e se pretendeu, um resumo da vida - tudo ao contrário da lamentável e atroz comédia que o cristianismo institui para a hora da morte. Jamais se deve esquecer que o cristianismo abusou da fraqueza do moribundo para fazer um estupro da consciência, que abusou igualmente da morte para emitir juízos de valor sobre o homem e o seu passado! - Importa aqui, contra todas as cobardias do preconceito, realçar antes de mais a dignificação correcta, isto é, fisiológica, da chamada morte natural: a qual é, em última análise, também «antinatural», um suicídio. Por mais ninguém se sucumbe a não ser por si mesmo. Só que a morte, nas condições mais desprezíveis, é uma morte não livre, uma morte em tempo inoportuno, uma morte cobarde. Haveria que, por amor à vida, querer a morte de um outro modo, livre, consciente, sem acaso, sem surpresa... Por fim, um conselho para os senhores pessimistas e outros décadents. Não está na nossa mão impedir o termos nascido; mas podemos reparar esse erro - pois, às vezes, é um erro. Quando alguém se suprime, realiza-se a coisa mais digna de consideração que existe: quase merece viver, só por isso... A sociedade, que digo eu!, a própria vida tem aqui mais vantagens do que qualquer «vida» passada na renúncia, na anemia e outras virtudes - os outros livraram-se do seu espectáculo, libertou-se a vida de uma objecção...

in Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche





salamandrine 13:49



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